Pernambuco, 2019.
A INFLUÊNCIA AFRICANA NO BRASIL
v
INTRODUÇÃO À CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
A cultura brasileira sofreu inúmeras
influências, entre elas está a cultura africana, cujos impactos serão abordados
nesse documento. Denomina-se cultura afro-brasileira o conjunto de
manifestações culturais do Brasil que sofreram algum grau de influência da
cultura africana desde os tempos do Brasil Colônia até a atualidade. A cultura
da África chegou ao país, em sua maior parte, trazida por escravas e escravos
africanos na época do tráfico transatlântico de escravos, ou seja, durante
quase quatrocentos anos, além de ter constituído a base da economia material da
sociedade brasileira, influenciou também sua formação cultural. A miscigenação
entre africanos, indígenas e europeus é a base da formação populacional do
Brasil. Dessa forma, a matriz africana da sociedade tem uma influência cultural
que vai além do vocabulário, de forma que características de origem africana na
cultura brasileira encontram-se em geral mescladas a outras referências
culturais, comprovando a diversidade cultural brasileira e suas influências.
Traços fortes da cultura africana podem
ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música
popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades populares. Ainda
que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX, os
aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de
revalorização a partir do século XX que continua até os dias de hoje, não sem
luta e resiliência de um povo que não teve voz por muito tempo. Em 2003, como
exemplo disso, foi promulgada a lei nº 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), passando-se a exigir que as escolas brasileiras de
ensino fundamental e médio incluam no currículo o ensino da história e cultura
afro-brasileira.
v
CULINÁRIA
O fato de as escravas africanas terem
sido responsáveis pela cozinha dos engenhos, fazendas e casas-grandes do campo
e da cidade permitiu a difusão da influência africana na alimentação. Os
escravos não tinham como reproduzir no Brasil os mesmos hábitos alimentares que
possuíam na África. Por isso, incorporaram muitos alimentos e práticas já
existentes, o que possibilitou a invenção de inúmeros pratos. Mesmo assim, eles
mantiveram alguns dos seus antigos costumes, como a intensa utilização da
pimenta vermelha, do azeite de dendê e do quiabo, entre outros temperos, como o
leite de coco.
Hoje o ofício das baianas do acarajé da
Bahia é considerado patrimônio nacional devido à sua importância para a cultura
brasileira. Sobre a feijoada, acredita-se que tenha sido inventada pelos
escravos. Há, no entanto, pesquisadores que discordam dessa versão, pois
sabe-se que o prato também era apreciado pela elite.
São exemplos culinários da influência
africana o vatapá, acarajé, pamonha, mugunzá, caruru, chuchu, quibebe, aluá,
ado, acaçá, entre outros.
v
MÚSICA E DANÇA
A música criada pelos afro-brasileiros é
uma mistura de influências de toda a África subsaariana com elementos da música
portuguesa e, em menor grau, ameríndia, que produziu uma grande variedade de
estilos.
Instrumentos como o tambor, atabaque,
cuíca, alguns tipos de flauta, marimba e o berimbau também são heranças
africanas que constituem parte da cultura brasileira. Cantos, como o jongo, ou
danças, como a umbigada, são também elementos culturais provenientes dos
africanos. Fortemente influenciada pelos ritmos africanos, as expressões de
música afro-brasileira mais conhecidas são o samba, maracatu, ijexá, coco,
jongo, carimbó, lambada, maxixe, maculelê.
Em relação ao reconhecimento em meio
nacional do samba, um gênero musical e dança com origem na cidade
brasileira do Rio de Janeiro, o governo da ditadura do Estado Novo de Getúlio
Vargas desenvolveu políticas de incentivo do nacionalismo nas quais a cultura
afro-brasileira encontrou caminhos de aceitação oficial. Por exemplo, os
desfiles de escolas de samba ganharam nesta época aprovação governamental
através da União Geral das Escolas de Samba do Brasil, fundada em 1934.
Há também a capoeira, que, além de
música e dança, é luta e símbolo de resistência. Surgiu no Brasil
como uma forma de rijeza dos escravos trazidos da África na época colonial.
Além de ser utilizada para defesa física, a capoeira foi uma forma de
resguardar a identidade dos escravos africanos. Principalmente porque ela se
consolidou no Quilombo dos Palmares. Passou aí a ser vista como uma prática violenta.
Por isso mesmo, a capoeira foi proibida por um longo período, precisamente até
1930, quando mestre Bimba fez uma apresentação da luta para o então presidente
Getúlio Vargas, que a transformou em esporte nacional brasileiro que então
chamou de "único esporte verdadeiramente nacional". Atualmente,
fala-se em “jogo de capoeira” ou em “roda de capoeira”, pois normalmente os
movimentos são apenas simulações de ataque, defesa e esquiva entre dois
capoeiristas. O objetivo do jogo é demonstrar superioridade em quesitos como a
força, a habilidade, a autoconfiança e, sobretudo, através do gingado. Gingado
é o movimento de todo o corpo de forma ritmada, mantendo o corpo relaxado,
deslocando o centro de gravidade do corpo constantemente e mantendo-se alerta
para movimentos de esquiva, ataque e contra-ataque.
Como aconteceu em toda parte do
continente americano onde houve escravos africanos, a música feita pelos
afro-descendentes foi inicialmente desprezada e mantida na marginalidade, até
que ganhou notoriedade no início do século XX e se tornou a mais popular nos
dias atuais. A popularização das rádios entre 1920 e 1930 foi o
principal fator a permitir que a música popular brasileira se organizasse e
crescesse, ainda que marcada por grande diversidade. Diante disso, surgem nomes
importantes, como Ary Barroso, Noel Rosa, Carmem Miranda, Luiz Gonzaga, entre
outros.
v
ARTE
A arte africana é um reflexo fiel das
ricas histórias, mitos, crenças e filosofia dos habitantes deste enorme
continente. A história da arte africana remonta o período
pré-histórico. As formas artísticas mais antigas são as pinturas e gravações em
pedra de Tassili e Ennedi, na região do Saara (6000 AC ao século I da nossa
era). Os povos africanos faziam seus objetos de arte utilizando diversos
elementos da natureza. Faziam esculturas de marfim, máscaras entalhadas em
madeira e ornamentos em ouro e bronze. Os temas retratados nas obras de arte
remetem ao cotidiano, a religião e aos aspectos naturais da região. Desta
forma, esculpiam e pintavam mitos, animais da floresta, cenas das tradições,
personagens do cotidiano etc.
Ao chegar no Brasil, essa arte
mesclou-se com a realidade e a cultura em que os africanos estavam inseridos e
resultou numa arte que vemos até os dias de hoje. O Alaká
africano, por exemplo, conhecido como pano da costa no Brasil, é produzido por
tecelãs do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá em Salvador, no espaço
chamado de Casa do Alaká. Mestre Didi, Alapini (sumo sacerdote) do Culto aos
Egungun e Assògbá (supremo sacerdote) do culto de Obaluaiyê e Orixás da terra,
é também escultor e seu trabalho é voltado inteiramente para a mitologia e arte
yorubana.
Na pintura foram muitos os pintores e
desenhistas que se dedicaram a mostrar a beleza do Candomblé, Umbanda e Batuque
em suas telas. Um exemplo é o escultor e pintor argentino Carybé que dedicou
boa parte de sua vida no Brasil esculpindo e pintando os Orixás e festas nos
mínimos detalhes, suas esculturas podem ser vistas no Museu Afro-Brasileiro e
tem alguns livros publicados do seu trabalho. Na fotografia o francês Pierre
Fatumbi Verger, que em 1946 conheceu a Bahia e ficou até o último dia de vida,
retratou em preto e branco o povo brasileiro e todas as nuances do Candomblé,
não satisfeito só em fotografar passou a fazer parte da religião, tanto no
Brasil como na África onde foi iniciado como babalawo, ainda em vida iniciou a
Fundação Pierre Verger em Salvador, onde se encontra todo seu acervo
fotográfico.
A função primordial da arte africana,
também chamada de arte negra, foi a de produzir valores emocionais para as
comunidades às quais pertenceu e que possuíam um saber cultural já
estabelecido. Acompanhava, assim, a vida cotidiana da comunidade, participando
dos rituais da vida doméstica desde o nascimento, dos ritos de passagem, passando
pela fatalidade da morte e continuando ainda na perene ligação com a
ancestralidade. Essa arte não tinha o compromisso de ser retrato da realidade e
se apresentou sem simetria e proporção. Na figura humana, por exemplo, quase
sempre a cabeça é demasiado grande, pois representa a personalidade, o saber,
sobretudo quando é a de alguém mais velho; a língua, por vezes, ultrapassa a
cavidade da boca, já que expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a
barriga e os seios femininos representam, em conjunto, a fertilidade; os pés,
normalmente grandes, estão sempre bem fixados na terra.
Tais representações são expressões
culturais sujeitas às diversidades étnicas. Entretanto, todas elas são
provenientes do sopro de um “Criador”, que emite uma força vital – “axé” no
Brasil dos orixás (oriundos do oeste da Nigéria e do Leste do Benin). Essa
força vital circula por todos os reinos do universo: o humano e o animal, o
vegetal e até o mineral, e mostra-se passível de ser “transferida” entre todos
os seres através da intervenção dos ancestrais, bastando, para tanto, adotar
sacerdotes como “intermediários-intérpretes”.
No entanto, a arte afro-brasileira só
passou a ser devidamente valorizada como expressão da brasilidade a partir do
movimento modernista dos anos 1920 e nas excursões que Mário de Andrade liderou
por Minas Gerais e pelo Nordeste. O reconhecimento ganhou foros intelectuais
com a criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934 e, a seguir, com a
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. A partir de então, vários artistas
brasileiros contemporâneos de origem negra se destacaram como Heitor dos
Prazeres, Djanira da Motta e Silva, Mestre Didi, José de Dome, Rubem Valentim,
Antonio Bandeira, Maria Auxiliadora, entre outros.
v
MODA
Segundo matéria da EBC, podemos perceber
a influência da cultura africana nas cores e nas estampas do vestuário dos
brasileiros. A constatação pode ser feita no livro “O africano que existe em
nós”, da designer de moda Julia Vidal.
“Os africanos começaram a produzir sua própria
roupa, a partir de matérias-primas locais, e com o tempo essa passa a ser a
roupa não só do escravo, mas também a do colono”, explica a autora, em
entrevista à EBC. Ainda segundo ela, a identidade afro-brasileira na moda varia
de região para região.
No livro, Julia também observa que podem
ser identificadas características da cultura africana na maneira de amarrar os
panos em volta do corpo ou da cabeça, no costume de vestir renda branca em dias
de festa. “(…) tecidos com cores vibrantes, de listras largas, também são
reminiscências da cultura africana, já incorporada pela brasileira.”
Nos acessórios, várias pulseiras, anéis,
colares de coral coloridos e diversificados, feitos com miçangas ou fios presos
bem junto ao pescoço também são herança da cultura africana na moda brasileira
até hoje. Além da vestimenta, os penteados inspirados no continente africano
são muito apreciados pelos brasileiros. Os cabelos trançados juntos à cabeça e
os dread locks são os penteados mais vistos no Brasil, seja em homens ou
mulheres.
A moda afro-brasileira é representada
por duas grandes estilistas, Saraí Reis e Saraí é Goya Lopes, donas das grifes
Ifá Veste e Didara. Que em suas criações buscam inovar e preservar as raízes
africanas. A moda afro-brasileira é assim, respeita suas referencias e
modernizando seus conceitos.
Lógico que não é possível resumir toda a
diversidade da cultura africana ao se falar em uma moda afro, principalmente
porque a sua influência aflora de forma heterogênea de acordo com a região e
com o talento do artista e da pessoa que usa o traje. Dessa forma, somos
surpreendidos como uma moda rica em criatividade, estilo e materiais, que extrapola
qualquer rótulo ou estigma que possa ousar ser pré-estabelecido.
v
RELIGIÃO
Os negros trazidos da África como
escravos geralmente eram imediatamente batizados e obrigados a seguir o
Catolicismo. No entanto, no aspecto religioso os africanos buscaram sempre
manter suas tradições de acordo com os locais de onde haviam saído do
continente africano. Entretanto, a necessidade de aderirem ao catolicismo levou
diversos grupos de africanos a misturarem as religiões do continente africano
com o cristianismo europeu, processo conhecido como sincretismo religioso. São
exemplos de participação religiosa africana o candomblé, a umbanda, a quimbanda
e o catimbó.
Algumas divindades religiosas africanas
ligadas às forças da natureza ou a fatos do dia a dia foram aproximadas a
personagens do catolicismo. Por exemplo, Iemanjá, que para alguns grupos
étnicos africanos é a deusa das águas, no Brasil foi representada por Nossa
Senhora. Xangô, o senhor dos raios e tempestades, foi representado por São
Jerônimo.
Enquanto o Catolicismo nega a existência
de orixás e guias, as igrejas pentecostais acreditam na sua existência, mas
como demônios. E, segundo o IBGE, 0,3% dos brasileiros declaram seguir
religiões de origem africana, embora um número maior de pessoas sigam essas
religiões de forma reservada, o que denuncia a repressão sofrida ao longo dos
anos sendo refletida até os dias de hoje.
A partir da década de 1950 as
perseguições às religiões afro-brasileiras diminuíram e a Umbanda passou a ser
seguida por parte da classe média carioca. Na década seguinte, as religiões
afro-brasileiras passaram a ser celebradas pela elite intelectual branca, ou
seja, inicialmente desprezadas, as religiões afro-brasileiras foram ou são
praticadas abertamente por vários intelectuais e artistas importantes como
Jorge Amado, Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Maria Bethânia (que frequentavam o terreiro de Mãe Menininha), Gal Costa (que
foi iniciada para o Orixá Obaluaye), Mestre Didi (filho da iyalorixá Mãe
Senhora), Antonio Risério, Caribé, Fernando Coelho, Gilberto Freyre e José
Beniste (que foi iniciado no candomblé ketu).
v
CONCLUSÃO
Diante dos tópicos de culinária, música,
dança, arte, moda e religião expostos aqui, é inegável a grandiosa bagagem que
a cultura africana trouxe ao Brasil durante todos esses anos desde a sua
chegada por meio dos povos escravizados. Pode-se dizer, que, todo brasileiro
deve ter consciência de que grande parte da cultura nacional resistente até os
dias atuais veio dentro de um navio negreiro e não desistiu quando chegou aqui.
Cabe a nós, brasileiros, reconhecermos e valorizarmos a rica influência ao nosso redor, não deixando que ela se perca ao longo do tempo ou que se desgaste pelos efeitos corrosivos da “modernidade”. Ademais, cabe ao Estado zelar e preservar os patrimônios culturais, sejam eles materiais ou não, para que nossa história seja passada de geração em geração, podendo ainda, ser reconhecida mundo afora e inspirar tantas outras sociedades e suas culturas ao longo do tempo.
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TODA MATÉRIA.
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Acesso em: 26 nov. 2019 às 22:07.
Emilly Aguiar
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