VIOLÊNCIA NO ESPORTE
2019
Não
devemos nos surpreender com a brutalidade presente nos jogos e disputas da
Antiguidade Clássica, Idade Média ou mesmo de qualquer outra época: as
atividades lúdicas e passatempos costumam refletir exatamente o grau de
agressividade do estágio em que determinada sociedade se encontra, ou seja, o
nível de violência socialmente permitido. Pensadores e filósofos como Ésquilo,
Sócrates e Demóstenes passaram por duras escolas de combate, e Platão chegou a
vencer alguns festivais atléticos. Resumindo, não é possível compreender o
nível de civilização nas competições de jogos se este não for relacionado com o
nível geral de violência socialmente permitida.
Na
Idade Média, especificamente na Grã-Bretanha, as pessoas desfrutavam de todo
tipo de passatempos agressivos: rinhas de galos, duelos de touros, queimas de
gatos vivos em cestos, execuções públicas, como quem vai ao cinema hoje em dia. Nos
séculos XVIII e XIX, os jogos desportivos atingiram um nível de ordem e
disciplina nunca atingido até então, e as regras estipuladas definiam os
limites da violência autorizada, inclusive se a força física pode ser
totalmente aplicada.
Com
o processo de civilização avançando nas sociedades, as relações humanas
tornaram-se gradativamente mais complexas, ampliando a disputa de poder através
do parlamento e do jogo e não mais por meio da violência física. As relações
humanas através do jogo proporcionaram o surgimento do Esporte moderno. Levando
em conta o grau de agressividade presente nas sociedades de cada época,
percebe-se que o esporte é uma das maiores invenções sociais realizadas sem
planejar. Oferece às pessoas a excitação libertadora de uma disputa que envolve
esforço físico e destreza, enquanto diminui seriamente a possibilidade de
alguém se ferir gravemente durante sua prática.
A
passagem do jogo para o Esporte aconteceu na Inglaterra por ser um dos países
mais organizados socialmente. O comportamento das pessoas era mais civilizado,
a disputa de poder se dava pelas regras do Parlamento Inglês e não pela
violência física. As regras que começavam a se estabelecer na sociedade inglesa
foram sendo incorporadas aos jogos (práticas corporais) e tornando-os esportes,
com suas regras pré – definidas.
O
fim da violência física e sua transposição para o jogo social é explicado por
Norbert Elias com o surgimento do esporte moderno. O pesquisador faz a
comparação entre as práticas de luta na Grécia antiga com os esportes da
atualidade. Esta comparação entre o nível de violência verificada nos combates
de jogos da Grécia antiga, ou nos torneios e jogos populares da Idade Média, e
o que se revela nas provas atuais, mostra a necessidade de relacionar o nível
de violência permitida socialmente, a organização para o controle da violência
e a formação da consciência do indivíduo.
O
que caracteriza o esporte moderno são as aplicações das regras, reduzindo toda
e qualquer ação mais violenta. Por exemplo, para um boxeador não é
permitido pela regra aplicar um golpe abaixo da linha da cintura. Se ele
realizar tal golpe, será automaticamente punido com perdas de pontos. Para
muitos, o contato físico entre os praticantes caracteriza-se como ato violento,
mas é socialmente permitido; para outros trata-se apenas de uma modalidade
esportiva. No entanto, é importante ressaltar que além da violência física, há
a violência simbólica, que é de comportamento, podendo ser verbal, pelas ações
das pessoas, ou ainda pela discriminação racial, sexual ou religiosa que existe
na sociedade. Na sua grande maioria, os casos de violência, sejam elas físicas
ou comportamentais, são um reflexo da violência social.
Os
fatores significativos para a existência de comportamentos agressivos durante
eventos esportivos são: o local da partida, importância da mesma, nível de
rendimento dos jogadores, placar do jogo, posição e tarefa tática do jogador,
comportamento do árbitro, técnicos e torcedores, além da estrutura das regras
esportivas. Também é possível que a expectativa do jogo, a observação da
inimizade contra um colega, bem como ofensas verbais ou físicas, tenham
probabilidade de gerar combate contra os atletas. Fora isso, o fato de estarem
perdendo, associado a agravantes como perturbações emocionais do técnico, da
torcida e dos colegas, a percepções do atleta em relação à família, público,
treinador e outros podem desencadear comportamentos mais agressivos.
Infelizmente
sabemos que a impunidade é um fator determinante para a continuidade deste
quadro. Hoje, as autoridades evitam elaborar qualquer nova lei, mas, para
controlar a violência no esporte, seria necessário que fôssemos protegidos por
leis e penas mais rigorosas. Afinal, de acordo com
especialistas, a postura meramente repressiva contra torcidas organizadas se
mostra ineficaz no contexto de uma sociedade que registra mais de 61.000
homicídios por ano e tem a terceira maior população carcerária do mundo. Existe
a justiça desportiva, mas esta possui autonomia administrativa exclusivamente sobre
questões meramente técnicas ou de disciplina regulamentares, tais como
invalidação de partidas, cassação de pontos, inversão de mando de campo ou
mesmo punições de atletas. Contudo, no que se refere às infrações previstas por
lei, nem se cogita deixá-las sob a jurisdição de tribunais desportivos, sendo
perfeitamente cabíveis as prisões em flagrante, inquéritos e processos - mas a
violência esportiva não tem relevância penal quando inserida em um contexto de
tolerância social e desde que não contrarie a moral e os bons costumes locais.
É uma lástima que muitas pessoas que se julgam
adeptos do esporte promovam a violência. Esporte era para ser exatamente o
oposto disso. Esporte remete-nos à desafio, time, grupo, habilidades, talento,
irmandade, dedicação, saúde, e mais uma porção de ideias que deveriam nos unir,
ao invés de separar-nos. Deveríamos apoiar-nos uns aos outros e não o
contrário. No entanto, algumas providências já foram adotadas, como, por
exemplo, o cadastramento de torcedores, o incentivo da presença das famílias
nos torneios, a proibição de identificação de torcidas uniformizadas. São
medidas enérgicas e responsáveis que podem ajudar o esporte a livrar-se da
violência. O Fair Play ou jogo limpo foi uma das medidas adotadas pela FIFA
para diminuir o problema da violência no futebol. Fair Play é uma expressão do inglês que significa modo leal de
agir. O conceito de fair play está vinculado à ética no meio esportivo, onde os
praticantes devem procurar jogar de maneira que não prejudiquem o adversário de
forma proposital. Vários atletas já foram punidos por falta de fair play.
A história do esporte,
analisada sob o prisma da violência, serve de base para se analisar como essa
questão evoluiu junto à sociedade com o passar dos séculos. É inegável que a
violência bruta foi se atenuando e/ou assumindo outras formas desde a
pré-história da Humanidade. Faz-se necessário prestar atenção especial às
jogadas que lesionam e afastam jogadores temporária ou definitivamente, além de
levarem a uma demonstração cada vez menor das habilidades individuais.
Portanto, a mudança de regras deve ser efetiva, acompanhando a evolução
dinâmica do esporte, em um sistema que valorize atletas e a harmonia no
ambiente esportivo. Através de regras rígidas, a incidência da violência
diminuirá. Contudo, somente esta mudança não será suficiente. É preciso vir
acompanhada da transformação interna das pessoas/atletas. A conduta honesta é
fundamental em qualquer esporte. Ela é essencial para o bom funcionamento do
jogo. A modificação comportamental influenciará a diminuição da violência nas
arquibancadas, das torcidas organizadas; A conscientização das pessoas sobre a
importância da torcida para os clubes e do aproveitamento do espaço para a
diversão e lazer. Neste aspecto, a escola e os pais tem papel fundamental. Pois
a escola é o lugar na sociedade que deve permitir ao indivíduo o acesso às
manifestações culturais e participação na construção de uma cidadania
democrática. Dentro da escola, o esporte deve ser ensinado para todos, em igualdade
de condições de participação, sem qualquer forma de discriminação. Torna-se,
portanto, imprescindível educar o ser humano. É preciso reconhecer a educação
como uma série de práticas dirigidas à formação integral do homem e à sua plena
humanização.
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